segunda-feira, 4 de abril de 2011

Mais um outono

Em noites um tanto quanto frias como essa, de outono, você vem chegando, se reaproximando na memória. Você vem puxando assuntos e me cobrando dúvidas que lhe causei. Olha, não foi por mal, sabe? Mas foi o que rolou: o mal se deu. Num gesto, eu destrocei tudo. Rasguei aqueles nossos mapas com os dentes, sorrindo com aquele sorriso doentio de quem pouco sabe o que faz, mas sabe que faz e faz com aquele gosto venenoso, por detrás das máscaras da intenção, o ato de apagar os trajetos nossos. Qual intenção! Foram tantas as intenções, algumas eu tive que destruir - corroer, corromper, cogitar, coagir, copiar, corrigir. Você não me corrigiu, embora - não me recordo se sim ou se não - tivesse tentado e com todo o esmero. Eu fui e você foi, ou então eu fiquei e você foi. Vai ver nada disso: fomos ver outra coisa, os dois. A coisa que a gente procurou/procurava/procura. De vez em quando, me vem na cabeça umas ideias meio loucas, meio chapadas. Quando em vez, me sobe umas vontades que nem me dou ao luxo de publicar. Sabe, de repente. Certos segundos são de se ir ou de se voltar - eu não sei se vou ou se fico, nessa viagem toda louca e desleal. Mas, como minha alma não me deixa perder o foco do que sinto, continuo a dizer, firmemente, que sim, me chega uma vontade de, assim, como quem nada quer e como quem tudo quer e ao mesmo tempo e agora, de saber de você. De te ligar, não. Medo da sua voz é sina certa para ouvidos como esses os meus, entupidos de remorsos e dúvidas interrompidas e confusão alimentada. Não, não quero e nem tenho a vã pretensão de te ligar. Isso nunca. Mas dá vontade de saber de você, de saber por onde você anda, em que meios você se dá, pra quem você se dá e quando se dá, quais são os seus medos novos e qual é o seu mais novo orgulho de ser, e pra quem destinado ele o é.
Dá vontade de saber de você, de ver tua cara, de te mandar carta e ler resposta, resposta que me responda quem tu és, nos dias presentes. Dá vontade de te mandar carta, escrita de meu próprio punho. Ou não: talvez eu tenha mesmo é vontade de mandar carta em branco; colocar no papel tudo que eu não sou capaz nunca de te dizer - por falta de coragem ou por excesso de faltas para contigo e vice-versa. Vontade de te mandar carta em branco e nela caber todo esse meu infinito silêncio frio e emocional, que há de dizer, talvez, muito mais do que supõe a sua oratória infinita do “ser ou não ser”. Lembra disso tudo? Você não parava de falar, não se contentava em nada dizer - você queria propagar e sempre, algo. Algo que nem mesmo você devia saber o que era, mas sabia que era. Sabia que era algo bom, algo honesto, inteligente, moderno, eterno. Você sempre tão lindo, porém nem sempre tão justo, dizia-me coisas de que não me recordo agora. Mas eu me lembro que, em meio àquelas coisas todas de que não lembro, eu encontrava e abraçava com o melhor de você que residia em você e desenhava e redesenhava você, cada vez mais bonito e simétrico em sinceridade menos óbvias aos olhares distraídos de todos aqueles outros e outras, que te queriam noite de verão que passa e vira lembrança de devaneio qualquer, de veraneio. Eu, não. Eu te sacava, e te abraçava o corpo inteiro, nos dias de frio com chuva gelada. Era quando ventava forte - frio e cortante - e a gente se abraçava, quase que planejando alguma espécie de fusão de sonhos, será que entende? Era tudo diferente: você e eu. A gente se desencontrou em alguma hora. Faz tempo. Agora eu não vou saber dizer o que deu de errado. Ou vai ver nem nada deu errado, vai ver o certo era isso tudo aqui mesmo: você lá e eu aqui.
Não sei mais de você, nem do que você pensa. Se é que você pensa algo passível de minha imaginação vadia supor que você, de fato, pense. É tudo suposição que é devaneio de uma mistura completamente entorpecido de brisa fria e nostalgia. Não deve nem ser saudade e, se for, que seja. Que tudo seja o que é. Sem esse papo de que “não é pra ser” ou “não pode ser”. Nada disso. Foda-se esse discurso todo. Sentir é complicado. É profundo, bem profundo. É maré cheia, é outra vibe - sentir é um oceano imenso de possibilidades inacreditáveis. É de ficar doente, embriagado, louco e tolo, essa coisa toda do sentir. Mas a vida é foda, mesmo. Não tem como supor corretamente nada. O certo seria não supor nada. Nada, absolutamente. A vida nem sempre sabe o que quer da gente. A gente, às vezes, passa anos e anos a fio, a se perguntar “o que quero eu da vida?”, enquanto nem sempre as coisas da vida dependem do nosso querer sobre ela. Em algumas vezes - mas só em algumas vezes - a vida é que tem que se perguntar o que quer ela de nós. O pior destino, é quando nem a vida e nem a gente quer nada. Aí o vazio ocupa espaço e o resto não vira história, apenas o silêncio. Silêncio, como a tal carta que eu mandaria, tivesse eu coragem o bastante, para você. Na carta, nada escrito, apenas uma página em branco, ou até mesmo duas, quem sabe três. Na carta haveria apenas o meu siêncio mais bonito, delicado e dedicado, para você. Mas acho que você não gostaria ou então não entenderia, sei lá. Você gostava tanto de falar e das palavras e dos sentidos e de tudo que fazia claramente sentido. Acontece que essas noites frias, qual essa a de agora, me lembram muito você; me trazem recordações de várias épocas de minha vida, até mesmo as de quando eu nem o conhecia, mas até mesmo essas épocas são muito você. Tudo assim, bastante você, no cheiro e na cor.
Acho que no final da carta em branco que te mandaria, eu desejaria parabéns ou, não sei, não sei o que desejaria, na verdade eu fico meia perdida sem saber o que se deseja num dia como este, numa situação como esta e numa coisa que a gente não sabe se quer a definição, mas pelo sim ou pelo não, lhe desejaria parabéns do mesmo jeito, bem no cantinho do finalzinho da segunda ou terceira página, sei lá. Só para você saber que eu muito sinto, e de verdade. E que eu me importo, sim, se tu és ou não és feliz.


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